"As noções de centro, de periferia e de fronteiras estão em crise.
O mundo contemporâneo nos confronta com uma série de paradoxos que se apresentam como desafios para o pensamento e para a ação política. O paradoxo espaço-temporal, o paradoxo da perenidade do presente, o paradoxo espacial e social (nunca os enclausuramentos foram tão numerosos como nesse mundo em que tudo circula e uniformiza-se), o paradoxo da riqueza e da pobreza e o paradoxo da ciência que avança apenas para uma elite. A ideologia do sistema da globalização está ancorada na aparência, na evidência e no presente. Com isso, temos uma tríplice aceleração dos conhecimentos, das tecnologias e do mercado. Vivemos uma fase de mobilidade sobremoderna, isto é, uma fase de desterritorialização e individualismo na cidade-mundo ou na metacidade virtual. O que é uma fronteira? A fronteira assinala a necessidade de aprender para compreender. O saber científico sempre tem novas fronteiras como horizonte. Vivemos a era em que a consciência planetária faz-se premente. E nestes tempos, a instabilidade é a versão obscura da mobilidade. A urbanização exprime, então, todas as contradições do sistema da globalização, do qual se sabe que seu ideal de circulação de bens, ideias, mensagens e seres humanos está submetido à realidade das relações de força que se exprimem no mundo. Essas zonas que são a face invisível da mundialização, ou ao menos, a face que não podemos, não queremos e não sabemos ver. A cegueira dos olhares. Vivemos num mundo de imagens, onde é a imagem que sanciona e promove a realidade do real. O escândalo do turismo. As paisagens (incluídas as ruínas) tornaram-se um produto como qualquer outro. O turismo contemporâneo é uma experiência que se inscreve num todo que privilegia a ubiquidade e a instantaneidade: não importa o quê, mas o imediato. A ideia da viagem está, ela mesma, arruinada, mas essa ruína, longe de evocar um tempo qualquer "puro", nos reenvia à nossa história contemporânea, que não acredita mais no tempo. E o turista burguês quer se sentir em casa, mesmo quando está em outro lugar. Já o etnólogo submete sua identidade à prova dos outros, ele viaja para fora dele mesmo, abstraindo-se tanto quanto possível de si mesmo. Pensar a mobilidade. Vivemos uma crise de consciência contemporânea e vivemos a incapacidade de conduzir a história. O pensamento contemporâneo está preso na armadilha de uma aceleração que o entorpece e o paralisa. Precisamos urgentemente de um mundo humano. Em toda verdadeira democracia, a mobilidade do espírito deveria ser o ideal absoluto, a primeira obrigação. A mobilidade no espaço permanece um ideal inacessível a muitos, enquanto é a primeira condição para uma educação real e uma apreensão concreta da vida social. A prática democrática deveria ser inspirada pela mobilidade dos corpos e dos espíritos. Nós precisamos da utopia. Precisamos da utopia, não para realizá-la, mas para tê-la conosco e nos dar assim meios de reinventar o cotidiano. Emitir hipóteses e reconciliar a dúvida e a esperança. Mais do que nunca temos necessidade das duas. É preciso aprender a sair de si, a sair de seu entorno, é preciso promover o indivíduo transcultural, aquele que não se aliena em relação a nenhuma cultura pois tem interesse em todas as culturas do mundo."